Em uma conquista sem precedentes no mundo da medicina regenerativa, um grupo de pesquisadores conseguiu pela primeira vez desenvolver um protótipo de olho a partir de células-tronco de um mamífero, de acordo com um estudo publicado nesta quarta-feira na revista Nature.
Os resultados do trabalho mostram que desenvolver um complexo órgão humano em uma placa Petri, embora ainda seja algo distante, não é mais restrito aos filmes de ficção científica.
Mais importante ainda, o estudo aponta o caminho de novos tratamentos para doenças que provocam cegueira, e mesmo a possibilidade de um dia devolver às pessoas cegas a visão através de retinas geradas a partir das células-tronco dos próprios pacientes, segundo especialistas.
Em experimentos de laboratório com ratos, a equipe coordenada por Yoshiki Sasai, do RIKEN Center for Developmental Biology, em Kobe (Japão), começou a trabalhar com células-tronco pluripotentes, capazes de se transformar em qualquer tipo de célula especializada do organismo.
Até hoje, as células-tronco eram vistas principalmente como fonte potencial de reconstituição de tecidos danificados dos músculos e de órgãos como o coração e o fígado.
Desenvolver um grupo de células mais complexas, ou mesmo um órgão inteiro, entretanto, era sempre associado a interações químicas complexas com os tecidos vizinhos, o que tornaria o processo virtualmente impossível.
Mas, utilizando novas técnicas de laboratório, Sasai e seus colaboradores conseguiram fazer com que células-tronco embrionárias de ratos se transformassem em uma cúpula óptica, estrutura que dá origem à retina do olho.
Vale destacar que as células fizeram todo o trabalho sozinhas, sem serem estimuladas, forçadas ou pressionadas para adquirir uma forma específica, segundo os pesquisadores.
"O que conseguimos fazer é resolver um problema quase centenário da embriologia, mostrando que os precursores da retina possuem a habilidade inerente de dar origem à estrutura complexa da cúpula óptica", explicou Sasai em um comunicado.
A princípio, as células-tronco organizaram-se em uma massa sem padrão de funcionamento, "evoluindo" depois para uma forma com duas paredes correspondente às camadas interna e externa da retina durante o desenvolvimento do embrião.
"Estamos agora bem próximos de conseguir gerar não apenas tipos diferenciados de células, mas também tecidos organizados" que poderão ser usados na medicina regenerativa, indicou.
A descoberta é especialmente relevante para pacientes de um grupo de doenças oculares genéticas, conhecidas como retinitis pigmentosa, que pode levar à cegueira, segundo Sasai.
A doença danifica a retina, camada de tecido no fundo do olho que converte imagens de luz em sinais nervosos e os envia ao cérebro.
Pacientes com retinitis pigmentosa sofrem uma perda gradual da visão, porque as células foto-receptoras - compostas de bastões e cones - definham e morrem.
"Como um passo adiante no caminho para desenvolver a terapia celular ou mesmo de órgãos, este é realmente um trabalho significativo", afirmou Richard Lang, diretor do grupo de estudos de sistemas visuais do Cincinnati Children′s Hospital, que revisou o estudo.
"Isto mostra que condições de cultura relativamente simples podem ser usadas para gerar um órgão inteiro no seu estado primordial", acrescentou.
Lang ressaltou que o objetivo de desenvolver tecido ocular humano continua distante, mas indicou que outras equipes de pesquisadores estão trabalhando em estudos paralelos revolucionários com outros tipos de tecido.
"Parece que não vai demorar muito até surgir a primeira oportunidade para o uso clínico experimental" destes avanços, concluiu o especialista.
Em um comentário, também publicado na Nature, Robin Ali e Jane Snowden, do University College London, afirmam que o proto-olho autogerado apresenta marcadores moleculares característicos tanto da retina neural, que nos animais é conectada ao cérebro, quanto de uma camada chamada epitélio pigmentado retinal, que ajuda a manter os olhos limpos.
"Uma prova ainda mais impressionante de que estas retinas são genuínas é que, durante a cultura, as cúpulas ópticas sintéticas passam por uma diferenciação celular (...), transformando-se nos principais tipos de célula retinal, incluindo os foto-receptores", destacam.
Do DN Online
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